As espirais da existência nos fazem transitar por lestes e oestes, por cimas e baixos, entre encontros e desencontros. Por vezes, um emaranhado de nós que envolve, amarra e, com uma certa frequência, prende. Mesclando nossas vidas a um conto de Caio F. Abreu, ou a um poema de Augusto dos Anjos, ou talvez algo mais feliz, mas desses desconheço exemplos. Dizem que esses últimos soltam os nós, porém creio que a melancolia é onde a minha alma se sente mais liberta. É na tristeza e na solidão do vagar que meu espírito encontra a crudeza de encarar realidades cada vez mais vãs e vis.
Vão-se os sujeitos, quedam-se os sentimentos. Vim-me ao meu encontro, após alguns anos vagando pela existência, apenas vagando e amargando o fel de insistir em ser um sonhador. “Um sonhador tão desesperançoso?”, perguntaria algum desavisado. Um sonhador de pesadelos, ou um sonhador incompleto, eu responderia. Ao sonhador completo, lhe surge a esperança no horizonte, é o óleo que permite o movimento de suas engrenagens, é o combustível que permite a ignição de seus passos e a carburação de seus pensamentos. Confesso, de fundo, que todo sonhador incompleto almeja por essa sensação, mas vive em um eterno crepúsculo austral no auge do inverno. A luz da esperança está lá, tímida, longe, fria, inalcançável. Ele sonha com o dia longínquo em que a noite polar terá seu fim, mas é como se cada passo em sua direção se transformasse em dois passos em sentido oposto, e no polo afasta-se cada vez mais daquilo que outrora ousou sonhar com esperanças. E, com engrenagens sem óleo, sem o combustível e sem a capacidade de promover a reação química necessária ao seu movimento, lá se esconde e revive, estanque, o seu dia da marmota.
Nenhum sonhador quer ser incompleto, nem mesmo os sonhadores de pesadelos. Na ausência de uma reação química cerebral neurotípica, ocultam-se de suas próprias misérias em músicas, tragos de vinho, na solidão dos seus pensamentos e nos vãos delírios ocasionados pelo excesso de inquietudes, que experimentam possibilidades várias e, em sua grande maioria, inócuas. Às vezes, a música acaba, os ruídos da rua e da vida invadem a mente, trazendo epifanias que levam a algum lugar. Ou a lugar algum. Mas a busca pela esperança é do tipo incansável. O amor é uma eterna luta de classes, e mesmo os sonhadores incompletos almejam a sua conquista, como eternos bolchevistas dos sentimentos. O amor, imaginam, é uma fonte de esperança.
Me pergunto se o amor não possa ser, talvez, uma questão de semiologia. E a gente confunde os significantes com os significados. O ser com a negação do ser. O desamor como consequência do não-amor. Ou, para utilizar outra vertente, as primeiridades incompletas com as terceiridades cheias de elementos complexos que só quem as vivenciou pode compreender. Cremos saber os significados enquanto estamos perdidos nos significantes, e viver na terceiridade enquanto mal identificamos os ícones, índices e símbolos que ele oculta.
E assim vou vivendo. Tentando compreender, ressignificar, reinterpretar, nos equilíbrios e desequilíbrios das euforias e disforias, interoceptividades e exteroceptividades, analisando os contratos, competências e performances, buscando entender onde se oculta a sanção. Na construção de uma sequência narrativa que, espero, um dia será canônica. Enquanto isso, tal como Caio F. Abreu, me alimento de “dois ou três almoços, uns silêncios”. E, tal qual ele, “[...] quase paro de sentir fome”.
Diego Windmöller
14/06/2024
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